Espiritualidade e paz

A espiritualidade dará sustentação à paz

Ainda a propósito da mensagem do Dia Mundial da Paz, em 1º de janeiro de 2011, o Papa Bento XVI, lançando um olhar pastoral e cidadão sobre as diferentes sociedades e culturas, constata que o cenário mundial, lamentavelmente, hospeda conflitos, crises e situações constrangedoras, com a prática de violências e intolerâncias que comprometem a liberdade religiosa – precioso e imprescindível caminho para a paz. O Santo Padre sublinha o quanto é doloroso, em algumas regiões do mundo, impedimentos e impossibilidades para que se tenha liberdade de professar a própria fé, sem pôr em risco a vida e a liberdade pessoais.

Em muitos lugares há formas silenciosas e até sofisticadas de preconceito e oposição contra os que creem e seus símbolos religiosos. Um alerta importante está na consideração de que os cristãos, na atualidade, são o grupo religioso que mais sofre perseguições na profissão de sua fé. As estatísticas de violências praticadas contra esse grupo são estarrecedoras, apontando esse mal inaceitável da intolerância religiosa, um tema de grande importância para a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia e outros campos do saber. É alarmante comparar os avanços das reflexões já postas com o que ronda a mentalidade de grupos, sociedades e culturas, provocando esse cenário inaceitável. Consequências, como mortes e atentados, ainda impõem um clima que, diariamente, leva os que professam a sua fé a constantes sobressaltos causados por ofensas, e são até impedidos de procurar a verdade e a viver a sua fé em Jesus Cristo. Há um princípio de compreensão que, na consideração do cenário de intolerância religiosa, aponta a liberdade de credo como expressão da especificidade da pessoa humana, sendo que por ela cada indivíduo pode orientar a vida pessoal e social para Deus, diz o Papa. Ele afirma ainda que negar ou limitar arbitrariamente essa liberdade significa cultivar uma visão redutiva da pessoa humana.

Caso se constate que esse cenário de intolerância religiosa beligerante – ofensiva e produtora de mortes e atentados – não esteja nas sociedades cristãs e católicas, como a nossa, é preciso dedicar tempo a considerações importantes, para que não se avancem em direções que produzirão nefastas consequências já presentes noutras plagas. Essas considerações não são a favor de um ou outro grupo religioso, como quem quer, de antemão, protegê-lo de derrocadas ou encontrar modos exitosos para a sua continuidade. Antes de todos estes aspectos, com sua importância própria e necessidades, situa-se o risco de obscurecimento do papel público da religião, também, este, responsável como agente forte na geração e manutenção de uma sociedade injusta. Ora, a verdadeira natureza da pessoa não se compreende nem se sustenta simplesmente por outros importantes componentes, quando se considera o conjunto da sociedade e a configuração da cidadania.

Há algo que ultrapassa tudo, de caráter transcendente que não pode ser negado e pisado, está além das conquistas científicas e tecnológicas. A consequência, pois, é o comprometimento da paz. Na verdade, se tornará difícil e inviável, caso se pisoteie a dimensão transcendente da pessoa, a afirmação de uma paz autêntica e duradoura para toda a família humana. Nem mesmo as estratégias da igualdade social têm força suficiente para mantê-la. Sem a dimensão transcendente da pessoa, cultivo próprio da experiência religiosa, a igualdade estabelecida se deteriorará, porque o que sustenta a paz vem de dentro do coração humano, sacrário recôndito da presença de Deus, fonte de sabedoria, amor e gosto por ela. Essa presença amorosa se configura ao tomar forma em condutas dignas e honestas e ao se agigantar em práticas vivenciais com incidências sociais e políticas fortes, com poder de promover e sustentar a paz. Trata-se, pois, de uma espiritualidade imprescindível para o mundo. A vida espiritual é direito sagrado e necessário, como indispensáveis são outras demandas sociais, humanas e corporais. Não se pode descuidar da vida espiritual. Só assim cada pessoa e comunidade de fé, sem fundamentalismos e manipulações, poderão desenvolver espiritualidade fecunda que dará sustentação à paz.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte